quarta-feira, 18 de março de 2015

Estudando a Música de Protesto com o 9º ANO

Numa época em que a liberdade de expressão é cerceada, nada mais criativo que expressar desejos e anseios através da música. A Ditadura Militar que o Brasil viveu, entre os anos de 1964 e 1985, fez com que músicas se tornassem hinos e verdadeiros gritos de liberdade aos cidadãos oprimidos e sem possibilidade de se expressar como desejavam. Através de letras complexas e cheias de metáforas, elas traduziam tudo o que sentiam!

Pois é, neste 1º Bimestre um dos assuntos de Música que estamos tratando na turma do 9º Ano são as Músicas de Protesto!

De cara logo vi que este tema despertou a curiosidade da turma. Canções como "Cálice" (Chico Buarque), "Pra não dizer que não falei de flores" (Geraldo Vandré) deixaram no ar um sentimento de uma época pairando em nossas aulas.

Terça-feira, dia 17.03.15, nós estudamos uma das canções mais metafóricas, porém cheia de significados contundentes, e que marcaram a MPB na década de 70: "O bêbado e o Equilibrista" (João Bosco e Almir Blanc). A audição foi bem apreciativa e os comentários da turma, especificamente do aluno Rafael, foram de uma grande perspicácia.

Abaixo, confiram a música, e em seguida o texto trabalho em sala com a turma.

TEXTO SOBRE A CANÇÃO

João Bosco (melodia) e Aldir Blanc (letra), gravam em 1979 esta música, interpretada por Elis Regina. Seu lançamento ocorre em um momento de intensa repressão ideológica e consequente perseguição política. Esse período que inicia em 1964 e vai até fins da década de 1980 é conhecido como Ditadura Militar. Nessa época, era preciso usar-se uma grande transferência de sentidos, ou seja, linguagens metafóricas. Essas linguagens conferem a determinados objetos de pensamento atributos pertencentes a outro. Pensando nisso, os artistas faziam, assim, músicas repletas de linguagens figuradas, cujas informações subliminares precisam ser conhecidas por aqueles que as recebem, para compreender o real manifesto da música, como no caso a ser analisado.

Caía a tarde feito um viaduto E um bêbado trajando luto Me lembrou Carlitos...

Na primeira estrofe da canção, há referências ao otimismo que o Brasil vivia até a da primeira metade da década de 1960. Aldir Blanc pode ter recorrido a uma figura poética calcada em velhos temas, como o filme Luzes da Ribalta com Carlitos, uma das personagens mais conhecidas de Charlie Chaplin. Um andarilho de chapéu-coco, bigode e um paletó muito apertado que, apesar de pobre, agia como um cavalheiro. Fica clara a contradição entre “bêbado” e “luto”: a alegria do vagabundo que tenta driblar a situação e o estado melancólico da sociedade brasileira.

No entanto, a luz do progresso chega ao fim, pois “caía a tarde feito viaduto”. Essa passagem alude a duas tragédias semelhantes:

Uma, que ocorreu no Rio de Janeiro, em janeiro de 1971, foi o desabamento, durante sua construção, sobre ônibus, pedestres e carros, de parte de uma imensa elevada que se estendia por quilômetros, o Viaduto Paulo Frontin.

Outra, em Belo Horizonte, em fevereiro de 1971, foi um pavilhão que, projetado por Oscar Niemaier sob a ordem do governador de Minas Gerais, Israel Pinheiro, também desabou sobre os operários, durante a hora de folga, no meio-dia.

Esse conjunto de construções correspondia ao “milagre econômico” que a ditadura tentava apresentar à população brasileira, para recuperar as antigas euforias dos períodos populistas. Porém, seus equívocos e acidentes, como estes dois denunciados metaforicamente na música não eram divulgados pela mídia da época e as vítimas dificilmente eram indenizadas pelo governo responsável. Além disso, “caía a tarde” nos remete ao horário do dia quando as sessões de tortura do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) começavam.

A lua Tal qual a dona do bordel Pedia a cada estrela fria Um brilho de aluguel

A lua apenas reflete a luso do sol. Esse é o tema da segunda estrofe, que faz menção aos reflexos do passado. Assim, segue a noite, referida na terceira, quarta e quinta estrofe, denunciando em linguagem figurada e elaborada as consequências da ditaduras: torturas, exílios, desaparecimentos e famílias dilaceradas. Ademais, a Lua não tem brilho próprio, mas como proprietária do prostíbulo, rouba-o das suas empregadas; um brilho falso, que pode representar os políticos que se “venderam” ao regime militar, em troca de benefícios pessoais, com os recursos “roubados” do país.

E nuvens! Lá no mata-borrão do céu Chupavam manchas torturadas Que sufoco! Louco! O bêbado com chapéu-coco Fazia irreverências mil Prá noite do Brasil. Meu Brasil!...

Anterior à caneta esferográfica, mata-borrão era um papel que absorvia a tinta em excesso das canetas-tinteiro para evitar erros. Saber disso permite compreender que havia determinados controles e atitudes punitivas para aqueles que “manchassem” a ordem presente na ditadura.

Que sonha com a volta do irmão do Henfil Com tanta gente que partiu num rabo de foguete Chora a nossa pátria mãe gentil, Choram Marias e Clarisses no solo do Brasil

Henfil, que rima com Brasil, é um apelido ou pseudônimo do cartunista e jornalista Henrique Filho que, exilado, era irmão de Herbert de Souza, o Betinho, sociólogo e ativista de direitos humanos, também perseguido e exilado, como tantos outros brasileiros.

Chora! A nossa Pátria Mãe gentil Choram Marias E Clarisses No solo do Brasil...

Clarice era esposa do jornalista Vladimir Herzog, que fazia parte do movimento de resistência contra o regime e teve um suicídio por enforcamento muito mal forjado em uma cela do DOI-CODI. Maria, por sua vez, era esposa do metalúrgico Manuel Fiel Filho, torturado até a morte sob a acusação de fazer parte do Partido Comunista Brasileiro, embora seu real crime tenha sido ler o jornal A Voz Operária. No plural, “Marias e Clarisses” são todas as mulheres, sejam mães, filhas ou esposas, que sofreram por alguém que fora torturado ou exilado. Além disso, destaca-se o tom de ironia ao rimar um refrão do Hino Nacional com Brasil, neste refrão, onde apresenta justamente um Estado que deveria nos proteger, mas que nos tortura.

Mas sei, que uma dor Assim pungente Não há de ser inutilmente A esperança...

Dança na corda bamba De sombrinha E em cada passo Dessa linha Pode se machucar...

Há uma história brasileira do início do século XX, baseada na vida de Zequinha de Abreu, compositor de Tico-Tico no Fubá, um músico que se apaixona pela trapezista de um circo e compõe uma valsa homônima à moça chamada Branca. Assim, ele rompe seu noivado para seguir a caravana circense, mas se decepciona e volta à terra natal, onde vive seu casamento deprimido e começa a tocar em bailes de carnaval seu grande sucesso (Tico-tico no Fubá). Eis que um dia a vê entrando no salão com o marido e interrompe o chorinho que dá nome ao filme e começa a tocar Branca. Tocada pela emoção de ouvir sua música ela vai a seu encontro, mas Zequinha abandona o piano e sai desesperado pelos fundos do clube e acaba morrendo em seus braços num ataque cardíaco fulminante.

Azar! A esperança equilibrista Sabe que o show De todo artista Tem que continuar...

Os artistas, não conformados com a opressão, usariam assim a expressão artística, como uma arma disponível para defender a democratização, em meio ao comportamento da sociedade, que vivia na corda bamba, sempre por um triz a ser pega fora da linha estipulada pelos militares. Mas em meio a essa corda bamba de incertezas, todos prosseguem com sua lida cotidiana. E a esperança é o que faz eles prosseguirem com a luta para seguir adiante; afinal, “… o show tem que continuar…

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Fonte: http://redesfigurar.blogspot.com.br/

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